Musicista e produtora se destaca em território nacional por sua atuação na cultura
Sua presença forte, marcante e atuante no setor cultural pode ser notada nos palcos e na coxia. Ana Morena segue exaltando e fortalecendo o protagonismo feminino na cultura brasileira, ao atuar a frente do Festival Do Sol, e tocar nas bandas Camarones Orquestra Guitarrística, Talma&Gadelha, a Bandíssima e Aiyra.
O mercado musical por mais que tenha passado por diversas mudanças e inclusões nos últimos anos, ainda segue como um ambiente predominantemente machista e desigual.
Não faltam profissionais e musicistas competentes e talentosas na música, e Ana Morena prova isso em sua caminhada como uma das maiores referências femininas a frente de
grandes festivais de música no Brasil.
Conversamos com Ana sobre sua trajetória, influências artísticas, produção cultural, festival Do Sol, a movimentação do setor cultural em meio a pandemia de Covid-19 e outras curiosidades. Confira!
Fale pra gente sua relação de amor com o contra-baixo. Quando que a música entrou na sua vida? Ana: Eu sou de uma família com vários artistas. Entre eles, a minha mãe, Clotilde Tavares é escritora, atriz e dramaturga e meu irmão, Rômulo Tavares é músico. A música faz parte da minha vida desde sempre. Eu comecei a estudar baixo aos 14 anos incentivada pelo meu irmão que é formado em violão clássico mas sempre teve bandas de rock onde tocava guitarra ou baixo. Meu irmão é um baita compositor e foi com ele que tive minha primeira banda aos 18 anos. Quais são suas maiores influências musicais e fontes artísticas? Ana: Nossa são tantas. Começou com as coisas que mamãe e Rominho ouviam em casa. Beatles, Rolling Stones, Caetano, Gil, Gal, Rita Lee, Luiz Melodia, muito jazz music e blues, fui crescendo e conhecendo Pink Floyd, Led Zeppeling, Guns n' Roses, ACDC, Nirvana, Titãs, Paralamas, Pearl Jam, Rage Against The Machine, Cássia Eller. Quando fiquei adulta me tornei ainda mais eclética. Escuto mais música produzida no Brasil. Vai desde as cantoras que eu adoro como Céu, Letrux, Tulipa Ruiz, Anelis, Simona Talma, Ângela Castro, até Maglore, Metá Metá, Dusouto, Heavy Baile, Chico César. Enfim, uma infinidade de gente. As fontes artísticas vão de acordo com o que estou compondo ou gravando. O Camarones acabou de gravar um disco em conjunto com Manoel Cordeiro, que é o rei da guitarrada do Pará. Pra compor as músicas e criar as linhas de baixo pro disco, eu foquei em ouvir ainda mais bandas que tinham essa pegada dançante de mistura caribenha, cumbia, rock steady, etc. Quando se percebeu frequentadora e fomentadora de arte e cultura? Ana: Foi uma coisa natural. Aos 11 anos eu já era de teatro levada pela minha mãe que também era atriz das peças. Fiz vários espetáculos e autos de natal, etc. Comecei a tocar baixo com 14 anos, lembro que um pouco antes disso eu ia nas matinês dos shows da banda do meu irmão. Com 17, 18 já tocava e fazia o Curso de Artes da UFRN. Aos 19 anos conheci Foca e começamos a produzir os shows das nossas bandas e a trazer bandas do então underground brasileiro pra tocar na cidade. Em 2001, criamos o DoSol. Hoje eu toco no Camarones Orquestra Guitarrística, banda com mais de 12 anos de estrada, além de outros projetos musicais como a Talma&Gadelha, a Bandíssima e Aiyra. Acho que sempre fui frequentadora e fomentadora de arte e cultura desde que me entendo por gente.
Qual foi sua melhor experiência de estrada como baixista? Ana: Impossível dizer a melhor. Mas tivemos grandes momentos e outros muito emocionantes. Vou citar um que reúne essas duas coisas: em 2018, fizemos dois shows no festival Best of Blues junto com mais 3 bandas, entre elas o Tom Morello (RATM). Tocar no Anfiteatro Pôr do Sol em Porto Alegre e no Ibirapuera em São Paulo, para mais de 20 mil pessoas cada, com o público ovacionando a gente, foi um belo momento. E eu ainda conheci um dos meus grandes ídolos que é o Tom. Jamais vou esquecer. Como surgiu a idéia do DO SOL? Ana: Foi gradativa. Eu e Foca tínhamos banda, queríamos fazer shows e viver de música, mas não havia mercado nenhum pra isso em Natal. Mal tinha estúdio de ensaio na cidade e quase não existia espaços ou até público para artistas autorais aqui. Diante disso, começamos o nosso trabalho a passos de formiga mas com muita vontade. Primeiro criamos um selo, depois montamos um estúdio de ensaio, que virou de gravação, que virou festival, que virou centro cultural, que virou produtora de vídeo, que virou produtora de outros projetos culturais. Que virou não, que foi acumulando atividades. A gente sabia que era impossível, mas foi lá e fez mesmo assim. Quase 20 anos depois, temos um combo cultural sólido, respeitado e relevante. Mas isso só começou porque a gente queria tocar e notamos que pra isso acontecer era preciso que mais gente tocasse, que o público consumisse, era preciso criar uma cena. E uma cena se cria com mais gente produzindo, criando, circulando. Então esse virou nosso foco principal: ser vintrine, fortaleza e fomentadora da música potiguar. Quando você trabalha naquilo que vc gosta e acredita, não tem jeito, vc vai fazer aquilo pra sempre. Mesmo não sendo fácil, e agora então nem se fala. Como que você descreve a sua relação com o festival DO SOL que comemora este ano 20 anos de existência? Ana: Preciso fazer uma correção. O Combo DoSol é que está fazendo 20 anos. O festival tá indo pra sua 17a edição (que seria em 2020). O DoSol é um filho, é uma vida. Como vc descreve a relação consigo mesma? Como vc fala de um filho? É uma parte de mim, faz parte da minha essência. Pensando no cenário cultural nacional, quais são os maiores desafios a implementação de políticas culturais? Ana: Vontade política e consciência coletiva do quanto a cultura é fundamental para uma sociedade crítica, pensante, ampla e criativa. O problema é que num governo medíocre como esse, que não quer que as pessoas pensem pela própria cabeça, essas políticas além de não serem incentivadas, são boicotadas e marginalizadas. Quais são os maiores obstáculos que você enfrentou nestes anos como mulher e profissional da cultura? Ana: Acho que os mesmos enfrentados por qualquer mulher em outros mercados. A falta de crédito da nossa capacidade, a sub valorização de qualquer atividade executada. Para a mulher, não basta ser competente, ela precisa ser mil vezes mais produtiva, mais competente, mais engajada. E eu ainda escuto comentários do tipo “Ah, mas vão chamar fulana porque é mulher e agora tem esse foco, não dá pra competir”, aí eu digo “não amigo, é o contrário, antes é que só eram chamados os homens, por serem homens.” Isso tá melhorando, mas ainda há muito o que andar. Como você avalia o impacto e a forma de consumo do mercado musical nos dias de hoje em comparação ao início da sua carreira como produtora e músico? Ana: A internet fez uma revolução na democratização do acesso aos artistas que estão fora da grande mídia. A tecnologia também ajudou muito a equilibrar a qualidade técnica dos produtos culturais produzidos, um disco de um grande estúdio e um disco de um bom home estúdio, não são tão díspares assim. Temos cada vez mais artistas trabalhando e vivendo de sua arte, mas dificilmente esses artistas ficarão ricos. No início da minha carreira, o bolo era repartido por 5, agora está sendo repartido por 500 e isso é bom. Ainda há muito o que se discutir sobre remuneração dos artistas, repasse dos diretos de streaming, ecad, etc. O público também está começando a entender que o artista, as equipes, os produtores são trabalhadores como outros quaisquer e que precisam ser pagos por uma atividade absolutamente fundamental pra nossa sanidade como sociedade. Poderia citar cinco dicas fundamentais para se ter uma carreira bem sucedida, segundo sua convivência com grandes músicos e produtores culturais? Ana: Vamos fazer assim, como a definição de uma carreira bem sucedida varia muito de pessoa pra pessoa, vou estabelecer a minha definição que é: fazer o que gosta, ser comprometido com a essência do seu trabalho criativo, cumprir os combinados e viver dessa atividade musical (que não necessariamente seja apenas fazer shows). Diante disso, as dicas práticas que tenho, são: 1. Produza muito, sempre, vários. As nossas primeiras bandas, primeiras músicas, primeiras gravações, primeiras letras, primeiras festas, primeiros projetos dificilmente são bons. A gente só vai melhorando com a prática, é preciso praticar. 2. Tenha autocrítica. Comparar pra progredir é fundamental. Vc fez uma música? Compare com músicas de artistas que tem a ver com vc, que vc gosta. No começo as influências são super fortes no nosso trabalho, mas com o tempo, a pratica, a gente vai estabelecendo a nossa própria essência. Peça opinião de pessoas externas e escute sem se chatear, afinal aquilo é uma opinião, não é a verdade sobre o seu trabalho. Mas pode ser que a autocrítica lhe mostre que talvez seja a verdade sim. Muito importante: banda que é endeusada e aclamada por uma plateia de amigos tende a só tocar pra esses amigos. Saia da sua bolha de conforto, se arrisque. É duro, mas a gente amadurece mesmo é com as críticas (sejam autocríticas ou de terceiros). 3. Circule: consuma arte, consuma música, vá a shows, participe de projetos. Conhecer coisas novas, ver coisas diferentes faz a gente crescer e amadurecer artística e profissionalmente. 4. Organize-se: faça planilhas dos projetos, da contabilidade da sua banda, dê um passo de cada vez, crie um cronograma de atividades, faça parcerias, analise os investimentos com calma, é melhor fazer uma ação contínua menor que não lhe endivide do que uma única gigante que faça vc passar anos pagando. 5. Tenha paciência. As pessoas são muito imediatistas, vc pode dar uma sorte de pular várias etapas na construção de uma carreira, mas a verdade é que tudo pra progredir, maturar, aprofundar e se definir, leva tempo. Tenha paciência, foco e continuidade. Construa que eles virão. Estamos vivendo um dos momentos mais difíceis da humanidade com a pandemia causada pelo covid 19. Os profissionais da cultura estão tendo que se reinventar para sobreviver e manter-sem ativos. Como você vê esse momento e a falta de apoio aos profissionais do ramo? Quais as expectativas de retorno? Ana: Não sei o que virá, não sei como ficaremos, não sei o que será da cultura. A única certeza que eu tenho é que ela existirá. Eu me sinto desafiada e pronta. É como se os mais de 20 anos de trabalho no setor cultural tivessem me preparado para esse momento. Claro que há dias bons e dias ruins, mas eu tenho certeza que iremos conseguir. A maior preocupação agora é segurar a onda de todo um setor enquanto isso não passa, ainda mais com um governo absolutamente incompetente e inábil. O DoSol está aproveitando esse tempo pra desenvolver projetos que estavam engavetados faz tempo. Estamos terminando de subir o nosso conteúdo todo pro digital. Vamos subir muita coisa antiga nas nossas plataformas pq acreditamos que são documentos históricos importantes de uma época e que precisam estar disponíveis. É o nosso principal legado. Além disso, estamos trabalhando com vários projetos on line. Abrimos o nosso DOSOLTV na Twitch e estamos formatando projetos digitais enquanto não podemos fazer os shows presenciais. O mundo já não é igual e só conseguiremos nos aglomerar minimamente depois da vacina. O jeito é esperar e botar a cabeça pra criar novidades aproveitando as tecnologias disponiveis. Existe um sentimento de união e a realização de ações conjuntas no setor cultural como há muito tempo não se via, e isso também é bom.
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